Rubis


Ela não queria que acontecesse daquela maneira. Na verdade, planejava secretamente um caminho alternativo. Tinha tudo decidido. Levaria tempo, mas conseguiria. Ao menos achava que sim.

Em seu silêncio, ela plantou sementes em seu jardim secreto e regou-o todos os dias.

Meticulosamente, retirava com as mãos nuas as ervas daninhas e os galhos secos que caiam de árvores vizinhas, sopradas pelo vento da intriga e da cobiça alheia.

Ela seguiu o seu cultivo, mesmo percebendo os machucados em seus dedos, que ela curava durante as noites vazias.

Dia após dia, ela limpava e semeava. Protegia os pequenos sulcos na terra com a própria pele.

E nem assim as flores brotaram.

Por mais que ela amasse o seu jardim, o solo se contaminara com raízes venenosas que aos poucos rastejavam nas profundezas, abrindo rachaduras aridas e perigosas.

Mesmo no seu desespero, cravando os dedos firmes na terra amaldiçoada, ela acreditava que conseguiria devolver a beleza e eliminar as impurezas trazidas pelos braços ossudos das intrusas subterrâneas.

Ela cavou e cavou e cavou. Porém, quanto mais ela puxava as raízes, mais destruia o seu jardim.

Suas mãos sangravam e as únicas coisas que brotavam eram suas lágrimas quentes que nasciam profundas, emergindo grossas e ardentes como uma corrente de lava.

Ela chorou sobre aquele pequeno pedaço de terra sem vida.

"Sinto muito", ela lhe disse, vendo a terra absorver o sangue que transbordava de seus olhos pingando lagrimas endurecidas como pequenos rubis.

O solo se tingiu daquela cor viva por um breve momento e ela teve um vislumbre do que viria a ser.

Ela pôde ve-lo absorver a tonalidade como se brindasse as gotas do último sopro de vida.

Então, ele escureceu e transformou-se na mais bela gema jamais vista.

Os raios de sol refletiam sobre a sua forma irregular e única em finos traços multicoloridos que se perdiam lentamente como um sonho, uma miragem, uma ilusão apenas.

Todos queriam admirar a criação daquela menina mulher, reclusa e misteriosa, mas ela sabia que não havia nada a se admirar.

Só ela sabia o peso de um coração endurecido em seu próprio sangue e lágrimas. Por isso, ela nunca mais foi vista.

Dizem que os seus gritos - mesmo abafados pelo manto escuro da noite - rompem o silêncio da vida suspensa em sonhos como um lamento pavoroso capaz de eriçar os pelos até dos mais valentes, pois eles sabem que a batalha por trás daquela porta branca de madeira que ninguém ousa abrir não é mais pelas flores de um jardim, mas pela alma de quem um dia já foi floresta.

(Exercitando ideias literárias, construindo um personagem para meu novo livro)?

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