Por que não sou como as árvores?

Na minha idade, não cabe mais perguntar qual o meu lugar no mundo. Eu já deveria ser uma árvore com frutos maduros e raiz firme, parada, pronta a alimentar ou servir de porto seguro. Mas que nada. Não sou assim e continuo me perguntado o que há de errado comigo.

Às vezes me sinto como aquela peça estranha no quebra-cabeça que se encaixa em vários lugares, mas nunca é o certo e vai parar à margem daqueles montinhos onde as peças são agrupadas por cor, desenho ou formatos. Mas não tenho um montinho próprio. Sou apenas uma estranha à espera da última peça faltando. A cor sem cor chamada Flicts, do Ziraldo.

Mas não é isso o que eu quero ser. Não é isso o que sinto. E sei que não estou só. Somos parte de um sistema padronizado do qual nenhum rótulo se encaixa. Somos uma nova raça, talvez. Ainda não codificada, cujo único momento em que me sentimos inteiras é quando nos calamos no nosso mais absoluto silêncio e ficamos em contato com aquela centelha, uma minúscula parte de nós mesmos, que nos entende. Naquele ínfimo momento, somos tudo, somos livres, somos sós e felizes.

E, finalmente, encontramos a nossa classificação: outros.

Não me sinto melhor com isso. Não quero uma classificação, afinal. Sou um coringa, um camaleão, o X da equação. Sou aquela última peça, sim, que vai preencher o vazio na tela quando o quebra-cabeça terminar. E, por não me encaixar, me encontro. Comigo mesma. De novo e somente. E não há nada de errado comigo. Só não sou palmeira, coqueiro, carvalho ou pinheiro. Não tenho raízes presas ao solo. Talvez só não tenha nascido para ser uma árvore.

Sou pássaro, água, vento, fogo; algo que vem, cumpre a sua missão, passa e vai embora. Segue caminho, vai adiante, mesmo que, às vezes, a saudade de casa doa. E, nestes dias, penso “por que não sou como as árvores?”.


E me dou conta de que as árvores nunca poderão conhecer nada além das suas próprias terras. Já os pássaros sempre podem ir e voltar.

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