Malditas listas de fim de ano!


Você tem um Vaporeto? Eu não e, para mim, isso significa muito! Está intimamente ligado ao fato de eu não fazer listas de final de ano. Sabe aquelas listas onde você coloca tudo aquilo que você acredita (de verdade!) que fará no ano seguinte? Coisas que você teve o ano todo para fazer e não fez e aí vem o “espírito de renovação do ano novo” que te faz sentir besta o suficiente para pensar que a folhinha do calendário vai mudar e, como em um passe de mágica, você vai mudar também! Pois é. Pura bobagem! Mas, voltemos ao Vaporeto...

Muitos anos atrás (e falo de mais de vinte!), eu e uma amiga muito querida na época, com quem eu constumava dar boas risadas, fazíamos a tal fatídica lista para o ano próximo. Era uma lista séria! Havia até um pacto entre nós: uma iria cobrar da outra, durante todo o ano, o que havia conseguido, o que faltava, etc, para não deixar a peteca cair. Ela lá no cantinho dela, séria, escrevendo e pensando. E eu de cá, muitíssimo séria.

Vamos colocar até as coisas mais simples, hein! Nada de negligenciar pequenas coisas porque são essas que nos motivam, já que são mais fáceis de conseguir” disse eu muito segura de mim.

Alguns bons minutos de concentração depois, decidimos ler as nossas listas. Começou por ela. Achei suas metas muito justas e reais. Ela conseguiria, com certeza! Sempre foi batalhadora e organizada. Diferente de mim de quem a organização e disciplina passaram a quilômetros de distância.

E eis que foram elas, justamente, as primeiras coisas da minha lista: “ser mais organizada, planejar e cumprir minhas metas”. Eu sabia que se fracassesse já nestas primeiras, colocaria em risco todo o resto dos meus ideais. Por isso, era preciso colocá-las já no topo da lista! Não coloquei parar de fumar, mas “fazer ginástica e fazer dieta” eram figurinhas constantes em minhas listas, até o dia que parei de fazer as malditas!

Enquanto eu lia, minha amiga (que aliás é psicóloga) acompanhava com atenção e torcendo para que eu realmente conseguisse chegar ao final do ano seguinte com ao menos uma daquelas tarefas impossíveis realizadas. Mas foi o meu último item que arrasou com tudo:

E, para terminar, COMPRAR UM VAPORETO!” Assim, com letras maiúsculas!

Fechei a lista decidida: eu seria, definitivamente, uma pessoa melhor no ano próximo. Mas minha determinação acabou quando levantei os olhos e vi minha amiga se contendo para não cair na gargalhada. Sabe quando os lábios se colam um ao outro, os olhos se enchem de lágrima de tanta dor e os ombros se repuxam em pequenos espasmos!? Coitada. Estava exausta e eu, naquele ponto, perguntei já rindo:

O que foi?

Tadinha. Bastou isso para ela soltar tudo de uma só vez! Foi a gargalhada mais gostosa do ano inteiro!

Menina, quem, em sã consciência, coloca COMPRAR UM VAPORETO na lista de fim de ano???”

Eu!” respondi às gargalhadas também.

Sim, era ridículo, eu sabia! Mas todas as vezes que ia limpar os azulejos do banheiro, lavar o chão ou fazer qualquer outra coisa insuportável dessas, eu desejava, do fundo do meu coração, ter um Vaporeto! Parecia tudo tão mais fácil se eu tivesse aquela coisa que sai vapor quente, elimina gorduras e sujeiras de uma só vez e para sempre!!!! Ah... era o meu sonho de consumo!

Na verdade, por trás daquele último item, tinha algo muito mais profundo: fazer mais por mim do que pelos outros. O Vaporeto era algo que eu achava que seria útil para reduzir o meu sofrimento da faxina diária, mas nunca comprava porque havia outras exigências mais importantes. Roupas para os filhos, comida dentro de casa, pagar as contas, etc. Compromissos que todos nós temos, afinal. E o pobre Vaporeto ia ficando para trás. Os meus desejos e necessidades iam ficando para trás.

Eu guardei a lista por todo o ano. Às vezes dava uma olhada e me sentia péssima por ver que eu havia feito ou conquistado quase nada. Os meses foram passando e a lista amarelando. Não me lembro quando parei de conferi-la, mas o fato é que eu nunca comprei um Vaporeto! É um dos símbolos do meu fracasso diante dessas metas que todos fazem e eu nunca consigo atingir.

Não adianta. Hoje, sou consciente que só consigo planejar minha vida a curto prazo. Meu recorde foi um mês! E acho que este reconhecimento foi, na verdade, o meu maior avanço: Reconhecer meus limites e deixar de acreditar que posso mudar isso ou aquilo. Sou assim e é mais fácil que eu me concentre sendo como sou do que me esforçar para ser diferente.

Quanto ao Vaporeto, estou curada. E tive a prova, nesta semana, quando entraram na loja dois rapazes de terno e gravata escuros e camisa branca. Pensei logo que fossem pastores, mas não. Com aquele sorriso de vendedor no rosto, me ofereceram o quê? Um “Vorwerk Folletto”, o vaporeto do século XXI. Eu arrepiei. Poderia ser a minha chance de ter um daqueles anjos da guarda da dona de casa em casa! Mas, corajosamente, disse NÃO, OBRIGADA.

Estou curada, para sempre, do maldito Vaporeto, Folletto e todas essas coisas. Mas, confesso, nessa época do ano me vem uma vontadezinha de pegar uma caneta e fazer uma listinha, escondido, de algumas coisinhas que gostaria de fazer e metas a atingir no próximo ano. Mas não o farei. 

Conheço-me o suficiente pra saber que não é um pedaço de papel que me faz seguir em frente, sonhar, lutar e conquistar. São as pessoas que amo que me fazem erguer a cabeça. É o amor que tenho por mim, pela minha família e amigos que me faz sorrir nessa época do ano e desejar a todos, todos, todos, que sonhem, amem e sejam felizes! Com ou sem o seu Vaporeto.

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