A maior lição da minha vida


O que me inspira a escrever, hoje, é uma garotinha muito especial. Alegre, geniosa, cabelos longos, finos e de cor caramelo; sorriso doce e olhos cintilantes como todas as crianças tem. O que me inspira, hoje, não são seus comentários engraçados, nem as suas perguntas difíceis de responder. O que me inspira, hoje, não é o que ela é agora, mas o que ela sempre foi para mim: um motivo pelo qual viver.


Algumas vezes pensei em desistir, deixar que as dores passassem num sono eterno. Mas ela dava um jeito de me lembrar que eu não poderia desistir. Não ainda. Tínhamos uma estrada pela frente, uma longa estrada até que ela pudesse nascer. Uma estrada que caminhamos entre lágrimas de dor, de medo, de esperança e de desespero.


Os dias eram longos demais e chegar ao final de mais uma semana parecia um milagre que, não pouco frequente, ouvia dos médicos que seria impossível. E eu recusava a ouvi-los. “A senhora ia completar 30 semanas amanhã, não?” “ ÍA não, doutor, eu VOU!”. E lá íamos nós, para mais uma semana riscada do calendário coroada com mais uma internação hospitalar. A nona, décima, que diferença fazia? Você simplesmente para de contar. Liga-se no botão automático e vai.


Eu era familiar às enfermeiras e elas a mim. A Ana Elisa, por exemplo, estava estudando para ser enfermeira chefe e a Patrícia era mãe solteira. Mas as conversas entre uma medicação e outra era um modo carinhoso de me distrair. Não me fazer pensar na ameaça que pairava a cada segundo. O risco de vida, meu , dela e de ambas. A transfusão de sangue que já estava pronta para qualquer hora. Meninas bem treinadas a fazer a paciente esquecer tudo por alguns minutos, mas era impossível. Quando se sente a vida deixando seu corpo devagar enquanto luta desesperadamente pela vida de uma criança ainda dentro de você, não existe nada que te distraia exceto os movimentos dentro da barriga que recordam o motivo pelo qual você está ali.


Não é por você, não é pela sonhada viagem de férias, nem pelo curso que você se inscreveu, nem pela sua promoção que deve chegar no mês que vem. Tudo deixa de existir. São apenas você e aquele ser, crescendo lentamente, a seu tempo. Um tempo que, talvez, você não consiga superar. E mais um dia chega ao fim. E no outro dia vai para casa porque não tem mais nada que médicos e remédios possam fazer.


O desespero nos olhos do meu marido me fizeram mentir para ele muitas vezes. “Estou melhor, hoje!”. Mas a palidez da pele, a fraqueza nas palavras e a posição no sofá me denunciavam. E ele também não sabia mais o que fazer. “Só mais um dia”, eu pensava. “e amanhã talvez eu esteja melhor.” E, muitos sofridos dias depois, embora todos os meus esforços e os dela, as dores aumentaram e a luta chegou ao fim.


A hora havia chegado, muito antes do que deveria ser, mas havíamos entrado no sétimo mês e minha garotinha estaria segura, agora. Era o que eu pensava, mas ainda viveríamos outra tarefa difícil até que ela realmente estivesse segura. Superar mais uma hemorragia enquanto o médico se deslocava até o hospital.


Uma dor dilacerante surgiu como se algo se rompesse dentro de mim. Não era ela que nascia, era algo pior. Poderia ser o útero que se rompia? Poderia ser a placenta que descolava toda de uma vez? Poderia ser uma coisa ou outra. Ou ambas!


Você consegue se sentar para tomar a anestesia?”... sem voz, só gritos de dor, de medo, por mim e por ela e as lágrimas, as últimas que me lembro quando me viraram de lado e... a dor passou. Um estranho silêncio pairou dentro de mim. Embora eu visse tudo à minha volta, inclusive meu marido com olhos assustados procurando me dizer que tudo ia ficar bem, eu não sentia mais nada. Não ouvia mais nada. Meu corpo estava ali, mas eu não. Acho que foia primeira e única vez em que realmente não pensei em nada.


Sentia apenas as mãos mexendo em mim e um puxão. Um vácuo se formou e, finalmente, ouvi alguma coisa. Um estalo e mais nada. Nenhum choro, nenhuma festa na sala de cirurgia. Nem a voz de meu marido. Correram com ela para algum lugar e os sons começaram a voltar. A correria, os bips dos aparelhos, as vozes e meu marido que se distanciava.


Minutos depois, ouvi um choro fraco de longe. Só faltava, agora, conter a minha hemorragia interna. “Ela está bem”, pensei. “Ela está bem... ela está bem... ela está bem....” e me deixei levar.


Sim, ela está bem e hoje, 21 de julho, faz seis anos!


A você, Cléo, que me levou a superar dores, medos, desafios, angustias e todos os prognósticos negativos, o meu MUITO OBRIGADA! Obrigada por me ensinar a ser uma pessoa mais forte e por me mostrar que tudo é possível!


Feliz Aniversário, minha garotinha!

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